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O Ambicioso Lorde Richard - uma história de fantasia

  • Foto do escritor: Gabriel Gusmão
    Gabriel Gusmão
  • 3 de jan.
  • 16 min de leitura

Atualizado: 21 de mar.


"O Ambicioso Lorde Richard" é uma história de fantasia que explora os limites da ganância e o preço que se paga ao desafiar forças além da compreensão humana (talvez ele também sirva como analogia da "guerra" que nossa sociedade trava contra as forças da natureza, especialmente nos últimos séculos – mas isso é só um "talvez")

No Reino de Namerom, onde honra e poder se entrelaçam, o protagonista, Lorde Richard, busca realizar seu maior desejo: adquirir riqueza e prestígio, superando seu grande rival, Gerald Vickers. E ele não está nem um pouco preocupado com as consequências de suas escolhas. Ao se apegar a sua ambição desenfreada e enfrentar um desafio aparentemente insuperável, ele descobrirá que, às vezes, um homem pode estar perseguindo sua própria ruína sem ao menos se dar conta disso.

Essa é uma jornada de tensão e mistério – o confronto de um homem com sua própria natureza animal.

Escrito em algum momento de 2018.

Nos anos dourados do Rei Brennan, o Bom, vivia no sul de Namerom um homem chamado Richard Mattland, Senhor de Solar da Costa. Lorde Richard tinha uma fortuna fabulosa, uma família numerosa, vários navios, que cortavam os mares para comprar e vender valiosas mercadorias, e vastos rebanhos. No entanto, ele não era feliz, pois havia um homem que o superava em riqueza e poder. Seu nome era Gerald Vickers, Senhor de Portoforte. Lorde Richard odiava seu rival e sentia uma vontade indomável de se tornar mais rico e poderoso que ele. Para isso, levou a vida cobrando pesados impostos de seus camponeses, oprimindo os arrendatários de suas terras e impondo pedágios aos mercadores e peregrinos que andavam por suas estradas. Isso lhe rendeu várias arcas de ouro ao longo do tempo, e ele as escondeu na sala mais alta da torre mais alta de Solar da Costa, mas não foi o bastante para torná-lo mais rico que Gerald Vickers, o que escureceu sua alma e o transformou num homem amargurado e cruel.


Certo dia, um dos cavaleiros juramentados de Lorde Richard, um homem de boa-fé chamado Loran Rockwell, foi até Solar da Costa e pediu uma audiência com o senhor. Ao recebê-lo, Lorde Richard disse:


– Agora que estamos reunidos, conte-me, Sir Loran, qual é o motivo de sua visita.


– Venho para pedir-lhe um empréstimo, milorde – disse o cavaleiro.


Lorde Richard quase caiu da cadeira.


– Um empréstimo?! Ora, para quê?


– O último inverno foi cruel, milorde, e deixou meu castelo em ruínas. Se ele não for reformado logo, eu e minha família teremos de deixá-lo antes que desabe.


Lorde Richard ficou furioso com a ousadia do cavaleiro e teve vontade de enxotá-lo de seu salão e de humilhá-lo diante de todos. Ora, se um homem quisesse manter uma casa, deveria arcar com os custos dela, e não ir mendigar à porta de seu senhor! Lorde Richard nunca emprestava seu ouro a ninguém – pensar nisso era pior que a morte. Porém, uma ideia fascinante invadiu sua mente naquele momento... Sir Loran era dono de seiscentos acres de terra, e em suas propriedades havia uma colina altaneira chamada Brynsyl, a Colina das Fadas. Lendas antigas contavam sobre um tesouro de valor inestimável escondido em suas entranhas. Se colocasse as mãos na terra e escavasse a colina até encontrar o tesouro, Lorde Richard se tornaria mais rico que Gerald Vickers. Todos iriam respeitá-lo e temê-lo, e se curvariam quando passasse. Naquela hora, um fogo violento ardeu em seu coração, e Lorde Richard desejou mais que tudo a colina e o mítico tesouro. Mas Sir Loran nunca venderia a terra nem permitiria que escavasse Brynsyl, disso tinha certeza. Precisaria tomá-la à força. Então, tendo refletido em silêncio por alguns instantes, Lorde Richard falseou a voz e disse:


– Não tenho o costume de me separar do meu ouro, mas talvez possa fazer isso por você, sir. Caso lhe conceda o empréstimo, como pretende pagá-lo?


– Tenho dez bons navios, milorde, que uso para comerciar com Brunnes e com o Império de Talland. Embora a renda do comércio não me permita reformar o castelo de uma só vez, creio que será o bastante para pagá-lo em, digamos, seis parcelas, uma parcela a cada seis meses – respondeu Sir Loran.


– É um longo prazo, e o comércio marítimo tem seus riscos – disse Lorde Richard. – Mas aceitarei estes termos. Fique mais alguns dias, como meu convidado, para que possamos fechar o acordo.


Sir Loran ficou muito feliz e se desfez em agradecimentos, afirmando que aquele ato de bondade jamais seria esquecido. Dois dias depois, com os termos acertados, Lorde Richard e Sir Loran fecharam o acordo. Mais tarde, enquanto observava Sir Loran ir embora, Lorde Richard ergueu as mãos ao céu e suplicou que o cavaleiro não conseguisse pagar a dívida, pois assim teria justo motivo para tomar dele o que quisesse.



flecha


O tempo passou e Sir Loran iniciou a reforma de seu castelo. Naqueles dias, Lorde Richard visitou muitos feiticeiros e encomendou inúmeros encantamentos, buscando acabar com o comércio de Sir Loran. Nada disso deu certo durante um ano inteiro, e os lucros do cavaleiro só fizeram crescer. A cada pagamento que chegava, Lorde Richard ficava mais doente. Então, certa noite, uma tormenta cruel sacudiu os mares, pegou de surpresa os navios de Sir Loran e os afundou. Nessa mesma época, um verão seco e um outono estéril desceram sobre a terra e destruíram seus cultivos, fazendo com que ficasse sem ouro e parasse de pagar a dívida. Imaginando que as maldições tinham finalmente surtido efeito, Lorde Richard reuniu vinte homens e partiu para as terras do cavaleiro. Ao vê-lo chegar, Sir Loran caiu de joelhos, temendo o que estava por vir.


– Levante-se, Rockwell, e tente conservar um pouco da sua dignidade. Vim para receber o que é meu por direito e não irei embora de mãos vazias – disse Lorde Richard.


– Milorde, os dias são difíceis e uma subida má-sorte se abate sobre a minha casa. Meus navios afundaram, o senhor bem sabe. Desde então não tem havido nenhum comércio, e não há metal em meus cofres. Foi apenas por isso que suspendi os pagamentos, não por mero capricho, pois o senhor sabe que sou um homem honrado e muito correto.


– Palavras são folhas secas ao vento! Se não há metal em seus cofres, levarei todo o grão que enche seu celeiro.


– Isso não, milorde! Muitas sementes não brotaram e a última colheita foi magra. Mal conseguimos fazer uma pobre reserva para atravessar o inverno que se aproxima. Se o senhor levar tudo, morreremos de fome – e então Sir Loran chamou sua família e todos os seus criados e os mostrou a Lorde Richard, esperando que ele se apiedasse. – Veja, senhor, é o dever de um homem alimentar e proteger os seus... essa é a Lei da Terra.


Mas Lorde Richard não era um homem que podia ser dobrado tão facilmente.


– Não cite a Lei para mim! Eu não botei essas bocas mendicantes no mundo nem devo nada a nenhuma delas. Em verdade, ao inferno com elas! Entregue os homens ao trabalho duro, como deve ser feito, e corte deles o alimento, e venda as mulheres a quem quiser comprar, mas trate de restituir a mim o que é meu.


Sir Loran se desesperou. Os homens de sua casa ficaram sombrios e as mulheres choraram e gemeram.


– Ai de mim! Ai de mim! Eu ficaria contente em me entregar à morte antes de ter de escolher entre condenar à fome e à exaustão aqueles que amo e honrar a palavra dada ao meu senhor! Mas isso não traria nenhum bem e não resolveria estre problema... Contudo, talvez haja uma saída! O senhor aceita que eu retome os pagamentos do ponto em que foram interrompidos? Não sobreviveremos ao inverno se levar todo o estoque do celeiro, mas creio ser possível retirar dele uma parcela sem que a perda seja insuportável.


– Eu não aceito! – berrou Lorde Richard. – Pela Lei da Terra, se o devedor atrasar uma parcela, o credor poderá exigir o montante total da dívida. Sem isso eu não partirei.


Sir Loran ergueu as mãos para o céu.


– Assim o senhor vai condenar à morte minha casa! Se levar todo o grão do celeiro, não haverá nada para comer quando o céu enegrecer e os campos se tornarem duros e frios. Se de fato quiser a nossa morte, em vez de nos deixar definhar ao longo do inverno, faça valer os homens que trouxe e passe a espada em todos nós. Pelo menos assim teremos uma morte limpa e rápida.


– Não sou assassino – contestou Lorde Richard.


– Então, em nome de Vallon, o Velho, aceite outra coisa como pagamento.


– Eu vim em busca de metal, mas você não tem. Grãos também não podem ser levados. O quê, então, teria para oferecer? – perguntou Lorde Richard. E nesse momento, embora mantivesse o rosto frio e solene, sua alma se alegrava, pois tinham finalmente conseguido levar Sir Loran ao ponto do abate.


– Uma parcela das minhas terras eu entregaria em troca da quitação da dívida.


– Isso eu posso aceitar – disse Lorde Richard depois de um tempo. – Mas só se for a terra onde fica Brynsyl.


Sir Loran rogou:


– Milorde, clemência! Clemência! Dos seiscentos acres que possuo, eu entregaria qualquer um, menos este que o senhor demanda. Brynsyl é preciosa para mim, não pelas lendas sobre tesouros escondidos, mas porque a colina vigia os túmulos de meus ancestrais. Não posso suportar a ideia de me desfazer desta terra! Milorde, por piedade, escolha outro lugar.


– Basta! – gritou Lorde Richard. – Não há outra escolha a ser feita. Entregue-me a terra ou entregue-se à fome e à morte ao lado daqueles que ama!


Em silêncio mortal, Sir Loran olhou nos olhos de seus familiares e de seus fiéis criados e chorou.


– Se esta é a pena que o destino cruel impõe a mim, eu a aceito com humildade e entrego ao senhor, milorde, a terra onde fica Brynsyl.


– E diante dos olhos de Deus e dos homens, eu a recebo e dou por quitada a dívida.


Então Lorde Richard deu meia-volta e foi embora com seus homens.



flecha


Nos dias que se seguiram, debaixo de um céu cinzento de final de outono, Lorde Richard partiu para suas novas terras, levando consigo cem homens fortes, cavalos e ferramentas. Lá eles encontraram uma floresta muito verde, com árvores densas e escuras. Emergindo da floresta estava a imensa Brynsyl, com as raízes firmemente enterradas numa clareira por onde corria um riacho borbulhante e com o cume marcado por um anel de rochas negras.


Decidido a ficar ali até encontrar o tesouro, Lorde Richard mandou seus homens construírem suas tendas ao redor da colina e os enviou para cima sem demora, para começarem a escavação. O trabalho foi duro desde o início e os homens escavaram por dias e noites a fio, mas não encontraram nenhum sinal do lendário tesouro. Numa noite, enquanto os homens trabalhavam, Lorde Richard ouviu um barulho, como o de enormes rochas rolando, e uma voz sinistra e cavernosa, que parecia vir de muito longe, flutuando com o vento:


– Tola criatura, por mais que os homens tenham a excelência sobre este mundo, há limites que nem mesmo a ousadia deles pode transpor sem penalidade, e agora você se encontra diante de um! Cesse imediatamente a profanação desta mística colina sagrada, abandone suas ferramentas e vá embora para nunca mais voltar, só assim a ira dos feéricos não cairá sobre você. Se de toda forma resolver ficar, acidentes horríveis acontecerão e muitos de seus homens morrerão.


Pensando que Sir Loran tinha enviado criados para amedrontá-lo e fazê-lo desistir de seu tesouro, Lorde Richard retrucou:


– Asneira! Esta terra é minha, tenho direito sobre ela, e os seres encantados nada têm a ver com isso. Mande cuidarem de suas vidas ordinárias antes que eu resolva reclamá-las também!


E seu berro foi tão alto que se elevou sobre o chiado do vento e silenciou a voz misteriosa.


O trabalho continuou. Lorde Richard não contou nada a seus homens sobre as estranhas palavras que ouvira, e eles escavaram com vigor e carregaram terra colina abaixo sem cessar ao longo de duas semanas. O cume de Brynsyl se tornou então um lugar desolado, cheio de crateras que eram como enormes feridas abertas e muito solo remexido. Foi nesses dias que os primeiros sinais de má-sorte surgiram e acidentes estranhos aconteceram. Nesses acidentes, muitos homens morreram ou se feriram de tal forma que não puderam mais trabalhar.


Lorde Richard ficou furioso, mas não aceitou a derrota e manteve as escavações. Depois de alguns dias, os acidentes cessaram e, embora ainda não tivessem encontrado nenhum sinal do tesouro, as coisas melhoraram.


Então, numa noite, enquanto estava sozinho, aquecendo as mãos à luz de uma fogueira, Lorde Richard ouviu barulhos funestos vindos da floresta, como correntes sendo arrastadas e gritos e gemidos de agonia. Entre os gemidos, uma voz cresceu lentamente, como que vinda das profundezas da terra, e Lorde Richard a reconheceu de pronto, pois era a mesma voz que alguns dias antes anunciara os acidentes. Mas agora ela estava mais alta e parecia vir de um lugar mais próximo.

– Richard Mattland, você desdenhou do primeiro aviso e seus homens pagaram com as próprias vidas. Interrompa agora a violação de Brynsyl, senão as forças da natureza cairão sobre vocês e o inverno vivo os castigará com chicotes inclementes!


Mas Lorde Richard respondeu:


– Ora, suma, voz invejosa! Tudo o que quer é me afastar do meu ouro... Um momento! Se for você o falante, Sir Loran, não sei que espécie de magia negra está usando para que sua voz venha de dentro da terra, mas saiba de uma coisa: encontrarei o tesouro em breve, então terá de se ver comigo! Tomarei sua casa e colocarei você e os seus ao relento! Dessa forma, se o inverno for mesmo castigo para mim e para os meus homens, será castigo maior para você e para os seus.


E seu berro foi tão furioso que aquietou os tambores que ribombavam dentro da terra.


Mas o céu enegreceu nos dias seguintes, o vento cortou e tormentas colossais vieram do sul. Muitos homens caíram doentes e exaustos, e dezenas deles morreram. O medo se alastrou e os trabalhadores começaram a acreditar que estavam amaldiçoados. Alguns até tomaram coragem e foram falar com Lorde Richard, dizendo que o tempo nunca tinha sido tão duro assim no sul de Namerom e que isso devia ser um castigo maligno. Mas Lorde Richard ralhou com eles e os obrigou a voltarem ao trabalho. Eles voltaram, não tinham escolha, e, como nas semanas seguintes os dias se tornaram mais amenos, as chuvas diminuíram e o frio foi embora, acabaram achando que o pior já tinha passado.


As coisas correram bem até chegar uma noite clara de luar e Lorde Richard ouvir a terrível voz uma vez mais, vinda da floresta às suas costas:


– Richard Mattland, você desdenhou do segundo aviso e seus homens pagaram novamente com as próprias vidas. Interrompa agora a violação de Brynsyl, senão o sinistro cairá sobre vocês e a terça parte de seus homens morrerá está noite.


Então, temendo que Gerald Vickers ou Sir Loran estivessem escondidos na floresta, Lorde Richard reuniu seus trabalhadores, deu-lhes tochas e baldes com piche e pôs fogo nas

árvores. O vento forte fez as chamas se alastrarem e o fogo consumiu a floresta ao redor da colina. Quando o incêndio terminou, nada restava ali senão uma terra negra e arrasada, mas Lorde Richard se contentou, pois pensou ter finalmente se livrado de seus inimigos.


Porém, exatamente como anunciado, dez homens caíram com febre durante madrugada e morreram ao raiar do dia. Aterrorizados com este último desastre, alguns dos trabalhadores que ainda restavam deram as costas a Lorde Richard e fugiram de Brynsyl. No fim, dos cem homens que tinham chegado à colina, apenas quatorze ainda continuavam ali, e mesmo estes estavam fracos, amedrontados e doentes.


Naquela noite, enquanto ruminava seu ódio, Lorde Richard avistou movimento nos limites do acampamento. Temendo ter seus domínios invadidos, ele saiu correndo, pronto para o confronto. Mas não havia nenhum homem ali. Havia uma enorme sombra caminhando entre os troncos carbonizados e os pedregulhos fumegantes, é verdade, mas não era a sombra de um homem, disso ele teve certeza. Enquanto a observava, a figura avançou e cresceu, tomando conta da noite, um vulto contra a escuridão. Lorde Richard não recuou, em vez disso ergueu a lanterna e finalmente reconheceu o que quer que estivesse se aproximando: era um troll... um dos imensos e terríveis trolls das lendas, com chifres, olhos amarelos ardentes e couro que era como casca de árvore.


– Diga-me quem é você, feia criatura! E diga depressa!


E o troll falou:


– Eu não tenho nome na língua dos homens, mas nós já somos conhecidos, ou você não se lembra da voz que ouviu três vezes antes, neste mesmo local?


Lorde Richard se lembrou com rancor da horrenda e cavernosa voz.


– E o que você quer aqui? Dispare para dentro dessa devastação e deixe-me sozinho ou então sentirá o sabor da minha lâmina! – ele gritou.


– Como ousa me ameaçar? Você, que é uma criatura cega, tateando debilmente na escuridão do mundo, inconsciente da própria pequenez. Não, Richard Mattland, o tempo das ameaças vazias terminou. Agora, atente-se ao que vou dizer, pois assim seu destino está

selado! – diante daquelas palavras, Lorde Richard sentiu o corpo preso ao chão, os músculos retesados, como cordas de arcos. – Três vezes você foi alertado. Três vezes ouviu minha voz e ainda assim resolveu desconsiderar os meus avisos. Você violou Brynsyl, destruiu a floresta e corrompeu o riacho onde os seres encantados viviam e se refestelavam, e nem mesmo a morte de seus homens foi o bastante para fazê-lo parar. Por estes terríveis crimes eu o sentencio: sete rebanhos perecerão em suas terras, sete navios você perderá no mar e sete funerais serão feitos em seus salões. Além disso, a fortuna tão avidamente buscada abandonará sua casa, e os Mattland de Solar da Costa jamais serão tão ricos quanto os Vickers de Portoforte, nem sua honra será maior. Todos eles carregarão, ao longo das eras vindouras, o peso da vergonha e da servidão. Esta é minha maldição, e ela durará enquanto durarem o mundo e as estrelas sobre ele.


Quando o troll terminou de falar, Lorde Richard foi libertado de seu estupor. No mesmo instante, ele sacou a espada e atacou sem aviso, mas a criatura o atingiu com seu poderoso punho e o atirou longe. No dia seguinte, os homens o encontraram desacordado e cuidaram dele até que se recuperasse. E então, desdenhando do confronto noturno e cada vez mais desesperado por encontrar seu tesouro, Lorde Richard reuniu os trabalhadores restantes e subiu até Brynsyl uma última vez. Foi nesse momento que um dos homens encontrou um túnel de aparência antiga. Seguindo pelo túnel, eles deram numa câmara nas raízes da colina, onde havia sete arcas de granito sobre uma larga mesa de pedra. Os homens abriram as arcas e viram, assombrados, que elas estavam cheias até a boca com ouro e prata, diamantes e rubis do tamanho de maças maduras, esmeraldas, safiras e gemas que cintilavam como estrelas multicoloridas


Lorde Richard deu um berro de contentamento, pois, apesar de todas as desventuras, tinha finalmente conseguido o que queria. Com um tesouro tão magnifico em suas mãos, seria o homem mais rico de Namerom, não tinha dúvidas! Feliz como nunca, ele ordenou aos homens que levassem as arcas para fora da colina e as colocassem em carroças. Eles obedeceram, satisfeitos, depois desmontaram o acampamento, juntaram suas coisas e deram início à marcha de volta a Solar da Costa.


A viagem durou sete dias, e todos os dias a comitiva cruzou com um rebanho morto

à beira da estrada. Sempre que perguntavam aos pastores o que havia acontecido, eles afirmavam ter visto uma enorme criatura de sombras assaltar os rebanhos à noite, destruir e comer muitas vacas com voracidade. Lorde Richard lembrou-se das ameaças do troll e sentiu receio pela primeira vez. Será mesmo que poderia haver alguma verdade nelas? Não sabia dizer. Fosse como fosse, a agonia de Lorde Richard cresceu depressa, como um animal

selvagem instalado em seu peito, e ele se apressou e forçou os cavalos e os homens o máximo que se atreveu.


Ao raiar do sétimo dia, a comitiva avistou o imenso castelo de Solar da Costa no horizonte, sobre escarpas brancas e o mar turbulento. Reunindo o ânimo que ainda lhes restava, eles esporearam os cavalos e avançaram numa última corrida até o lar. Chegando à vila que ficava aos pés das íngremes escarpas, diminuíram o galope e olharam para a esquerda. Subindo a larga rua que vinha do porto havia três cavaleiros.


– Salve, Lorde Richard... Pare, milorde! Precisamos lhe falar – eles disseram à distância.


Lorde Richard e seus homens cansados estacaram.


– Ora, mas por que estão atrasando meu retorno ao lar? Por acaso não conseguem ver que estamos exauridos de muitos dias de cavalgada?


– Conseguimos, milorde, e pedimos escusas por atrasá-los – disseram os cavaleiros. – No entanto, há assuntos que precisam chegar ao seu conhecimento. Assuntos urgentes.


– Se é assim, falem sem demora!


– Lamentamos informar, milorde – disseram os cavaleiros. – Mas houve um desastre... muitas de suas galés foram reclamadas pelo mar turbulento e naufragaram.


– Naufragaram? – balbuciou Lorde Richard. – Não pode ser... Digam-me, quando isso aconteceu? Quantos de meus navios se perderam? E qual foi a causa deste desastre?


E os mensageiros disseram:


– Deve ter acontecido durante a noite, milorde, pois os primeiros náufragos deram à costa ao amanhecer. Notícias dão conta de sete navios perdidos. Entre murmúrios de medo e abalos nervosos, os sobreviventes mencionaram um terrível horror sem forma e disseram que os cascos dos navios pareciam ter sido martelados por enormes aríetes até racharem, como ovos.


Naquele momento, sinos repicaram no castelo, mais acima, e berros foram ouvidos. Emudecido, Lorde Richard deu as costas aos mensageiros e conduziu sua comitiva rumo à fortaleza. Ele deixou os homens e as carroças no pátio e correu até o Grande Salão. Ao entrar, viu criados apavorados e chorosos espalhados por todos os cantos e, no centro, diante de sua cadeira, seis ataúdes, nos quais jaziam a esposa e os cinco filhos.


– O que aconteceu nesta casa durante minha ausência?! – gritou Lorde Richard, tomado por tristeza e dor.


– Não sabemos, milorde, não sabemos! – disse o intendente. – A senhora e seus filhos se recolheram logo após a ceia, como costumavam fazer todas as noites. Não notamos nada de estranho, até a madrugada... então ouvimos batidas de tambores, como se houvesse um exército em marcha nas redondezas ou grandes pés correndo por sobre os campos. O barulho ficou mais alto e uma confusão infernal se instalou entre os criados. Muitos acharam que estávamos sendo atacados, porém ninguém viu nada. Ninguém exceto algumas sentinelas, mas elas estavam sonolentas e exaustas e não devem...


– O que elas viram? – cortou Lorde Richard.


– Uma tolice... um vulto a escalar as torres. Não devia ser nada além de uma ilusão – disse o intendente. – Depois de um tempo, os berros cessaram e a confusão terminou sem que se encontrasse o motivo. Então, há algumas horas, os criados encontraram a senhora e seus filhos, frios e sem vida.


A venda finalmente caiu dos olhos de Lorde Richard e ele se inclinou e chorou sobre os cadáveres de sua família. Ainda estava chorando quando um homem passou correndo porta adentro e berrou a plenos pulmões:


– Milorde! Milorde! As arcas... o tesouro!


Lorde Richard correu para o pátio e viu uma multidão de curiosos ao redor das carroças. Abrindo caminho por entre as pessoas, ele alcançou as arcas e perdeu o fôlego... Onde antes estava seu precioso tesouro agora havia somente folhas secas.


– Ouro de fada! Ouro de fada! – gritou o povo.


Uma terrível loucura se instalou na mente de Lorde Richard e ele correu para a torre mais alta do castelo, onde sua riqueza deveria estar guardada. No entanto, ao entrar, encontrou o local vazio. Não havia nada ali, nenhum sinal de sua fortuna. Todo o ouro acumulado durante anos sumira.


Alucinado, ele correu até a varanda, escalou a balaustrada e, com um berro de agonia, atirou-se para a morte.


Assim terminou a história de Lorde Richard Mattland, o Ambicioso. Ao fim desses trágicos acontecimentos, um irmão de Lorde Richard assumiu a cadeira e se tornou o novo senhor de Solar da Costa, levando adiante o sangue e o nome da família. Porém, a maldição do troll de Brynsyl deixou marcas indeléveis e a vida dos Mattland nunca mais foi a mesma. Sua fortuna perdida nunca foi recuperada, e eles foram eternamente mais pobres e menos ilustres do que os Vickers de Portoforte.

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